(Um Pequeno Livro de)

SANTOS CÉLTICOS

Autor: Martin Wallace

Tradução: Marly Winckler e Arnaldo Sisson Filho

 

A Igreja Céltica

De todos os santos deste livro, Patrício deve ser o mais conhecido. O dia de sua festa, 17 de março, é celebrado onde quer que os irlandeses e seus descendentes se reúnam. A Patrício é atribuída a conversão das tribos celtas pagãs da Irlanda ao Cristianismo, e a Irlanda se tornaria o centro da Igreja Céltica. As legiões do Império Romano nunca chegaram à Irlanda e, em consequência, a Igreja desenvolveu uma organização em grande medida livre da influência papal, caracterizada pela proliferação de monastérios. Isso também ocorreu em outras regiões célticas na periferia da Europa Ocidental, sobretudo a Escócia e o País de Gales, onde o domínio de Roma era incompleto.

Com o colapso do Império Romano, foi a Igreja Céltica que manteve acesa a chama do Cristianismo. Nos séculos seis e sete, seus missionários viajaram por toda a Europa em sua batalha contra o paganismo. A maioria dos santos deste livro pertence àquela idade de ouro da Igreja Céltica. Suas histórias devem ser uma mescla de fato e de lenda. Os fatos são certamente discerníveis nas ruínas de suas construções e, menos freqüentemente, nas biografias fantasiosas escritas séculos após suas mortes. Mas, onde há histórias de milagres, quem poderá saber onde acaba a verdade e começa o mito?

 

Ciarán de Saigher

O Cristianismo chegou à Irlanda alguns anos antes de São Patrício – e Ciarán tem sido considerado o primeiro dos santos irlandeses. De sangue real, ele nasceu na Ilha de Clear, na extremidade mais ao Sul da Irlanda. Desde cedo manifestou afinidade com os animais. Uma lenda conta que ele rezou por um passarinho que havia sido capturado em seu ninho por um falcão. O falcão largou sua presa que sangrava aos pés de Ciarán, e o passarinho imediatamente se recuperou.

Após estudar em Tours e Roma, onde foi ordenado bispo, Ciarán optou por uma vida de eremita na região central da Irlanda. Os animais eram suas únicas companhias nas montanhas Slieve Bloom, e é dito que um urso selvagem derrubou galhos na mata para construir o primeiro abrigo do santo. Com o tempo Ciarán reuniu seguidores e fundou o monastério de Saigher, no Condado de Offaly, que também se tornou o lugar onde eram enterrados os reis de Ossory. Um convento, ligado ao monastério, era dirigido por Liadan, sua mãe.

Na maioria dos milagres atribuídos a Ciarán ele devolveu a vida aos mortos. Em um desses milagres trouxe de volta à vida sete harpistas, que tinham sido assassinados por ladrões, os quais, em gratidão, juntaram-se a ele como monges. Mas ele tinha também o poder de fazer encantamentos e, certa vez, mostrou sua desaprovação ao rei Ailil silenciando sua voz por uma semana.

 

Declan de Ardmore

Declan era um príncipe do reino de Decies, em Munster, e o seu nascimento foi acompanhado pela aparição de uma luz fenomenal no céu. Foi batizado por um sacerdote cristão chamado Colman, e estudou com um sábio chamado Dioma. Quando jovem, viajou para Roma e foi consagrado bispo pelo papa.

O santo possuía um sino preto milagroso, com o qual intimou um barco vazio a conduzi-lo de volta à Irlanda. Quando um de seus acompanhantes esqueceu o sino, em uma pedra, Declan rezou a Deus e a pedra flutuou até o mar. Declan seguiu-a e ela, finalmente, o conduziu até a praia de Ardmore, Condado de Waterford. Lá, no século quinto, Declan construiu sua igreja e monastério. Pelo final da sua vida, diz-se que o santo fez ressuscitar muitos que haviam morrido em consequência de uma praga que assolou Cashel, no Condado de Tipperary.

Além da Igreja de Saint Declan (conhecida como a Catedral) e do Oratório (que abriga seu túmulo), Ardmore conta agora com uma bela torre redonda. Conta-se que a grande pedra na praia ali perto é a mesma que carregou o sino do santo, e muitos acreditam que ela cura o reumatismo dos que se arrastam passando por baixo dela.

 

Patrício da Irlanda

Muito da vida de Patrício é envolto em mistério e os historiadores diferem quanto à provável cronologia da vida do santo. Felizmente, ele legou-nos dois documentos, sua Confissão e sua Carta a Coroticus, que descrevem algumas de suas experiências. Ele não foi o primeiro missionário cristão a chegar à Irlanda, mas a ele pertencem os principais créditos pela conversão da ilha pagã e pelo estabelecimento da Igreja Céltica.

Ele era filho de um oficial romano, Calpurius, que vivia provavelmente no País de Gales. Patrício, aos dezesseis anos, foi capturado em uma emboscada e vendido como escravo ao chefe de um clã irlandês, Milchu. Passou anos na escravidão, tomando conta de um rebanho no Monte Slemish, Condado de Antrim. Fugiu seguindo os ditames de um sonho em que uma voz lhe disse que um navio o estaria esperando para levá-lo ao seu país. Após uma jornada de 320 quilômetros ele encontrou o navio e, no final, conseguiu voltar para sua família.

Certa noite, em um sonho, ouviu vozes chamando-o de volta à Irlanda. Acredita-se que ele estudou com São Germano, em Auxerre, França, e que sua missão na Irlanda foi aprovada devido à morte precoce de São Paládio, que havia sido enviado, em 431, como bispo dos irlandeses que “acreditavam em Cristo”. Conseqüentemente, 432 é a data tradicional da viagem de Patrício à Irlanda, que terminou nas praias de Strangford Lough. Ele rapidamente converteu um chefe local chamado Dichu, que lhe doou um grande celeiro em Saul, Condado de Down, para sua primeira igreja.

Não muito tempo depois, Patrício dirigiu-se para a Colina de Tara, Condado de Meath, onde vivia um grande rei da Irlanda. Chegando às vésperas da Páscoa, acendeu o fogo pascal na adjacente Colina de Slane. Nessa época do ano, em Tara, era uma prática pagã apagar todos os fogos antes de acender-se outro. Os druidas de Tara ao verem a luz em Slane, advertiram o rei Laoghaire que devia extinguí-lo ou ele queimaria para sempre. Patrício foi convocado à Tara. No caminho, ele e seus seguidores, cantaram o hino conhecido como “A Lorica” ou “Peitoral de São Patrício”. Embora o rei Laoghaire tenha permanecido pagão, ficou tão impressionado com o santo que lhe deu permissão para fazer conversões em todo o seu reino. A Vida de Patrício, de Muirchu, escrita dois séculos mais tarde, narra uma disputa de magia na qual os druidas do rei Laoghaire tiveram que conceder a vitória ao santo.

Patrício viajou amplamente pela Irlanda, fazendo conversões e fundando novas igrejas, embora depois de algum tempo tenha estabelecido o centro de suas atividades em Armagh. Certa ocasião passou os quarenta dias da Quaresma no Condado de Mayo, agora chamado de Croagh Patrick. Lá ele foi atormentado por demônios na forma de pássaros negros, que se agrupavam em tão grande quantidade que o céu escureceu, mas ele continuou a rezar, e a bater seu sino para dispersar os pássaros que o atacavam. Um anjo então apareceu e disse ao santo que todos os seus pedidos para o povo da Irlanda seriam concedidos, e que eles reteriam sua fé cristã até o Dia do Juízo Final. Há muitas lendas sobre Patrício. Por exemplo, a de que ele teria banido todas as cobras da Irlanda e de que adotou o trevo de três folhas como símbolo da Santíssima Trindade (planta que é emblema nacional da Irlanda).

Os escritos de Patrício pertencem à última parte de sua vida e confirmam que ele era menos erudito como escritor, do que era convincente como orador. Não obstante, Confissão, uma resposta às críticas de sua missão na Irlanda, é uma comovente revelação de sua vocação e da orientação divina que ele recebia em sonhos. Os anais irlandeses dão 493 como a data da morte de Patrício, mas uma data anterior – 461 – parece ser a mais provável. Reza a tradição que ele morreu em Saul e foi enterrado nas proximidades, em Downpatrick.

 

Brígida de Kildare

Embora Brígida seja, provavelmente, a santa irlandesa mais conhecida depois de Patrício, sua vida não pode ser documentada com muita certeza. A obra A Vida de Brígida, de Cogitosus, foi escrita não muito mais de um século após sua morte, porém o autor estava preocupado principalmente em contar seus muitos milagres. Ela deve ter nascido no Condado de Kildare, por volta do ano 457, mas a tradição local sugere Faughart, Condado de Louth. Seus pais, Dubtach e Brocseach, podem ambos ter pertencido a famílias nobres, embora um relato sugira que a mãe de Brígida era escrava na casa de Dubtach. Em geral, se aceita que Brocseach era cristã. Dubtach também pode ter sido convertido do paganismo no final de sua vida. Brígida era conhecida por sua generosidade com os pobres. Quando criança certa vez deu todo o estoque de manteiga da mãe. Felizmente suas preces foram ouvidas e o estoque foi miraculosamente renovado.

Seu pai deve ter recebido bem sua decisão de tornar-se freira, pois ela havia rejeitado o marido que lhe fora escolhido. Juntamente com sete outras jovens vestidas de branco, fez os votos diante de São Mel, o abade e bispo de Longford, e diz-se que ele, equivocadamente, consagrou-a como bispo. Ao procurar terras para sua comunidade, ela pediu ao Rei de Leinster uma extensão apenas igual ao que seu manto pudesse cobrir. O manto milagrosamente espalhou-se por sobre toda a Curragh, uma área de pastagens famosa, tanto na época como ainda hoje, pelas corridas de cavalos.

O Cristianismo na Irlanda não tanto suplantou o Paganismo quanto – muito mais do que isso – superpôs a si mesmo na tradição céltica. Locais de adoração ou superstição pagãos rapidamente tornaram-se associados a adorações e crenças cristãs. O dia da festa de Brígida, por exemplo, cai em 1º de fevereiro, a data do Imbolg, o festival pagão da primavera. Significativamente, Brígida era também o nome de uma deusa pagã, pois o nome significa “a exaltada”. Os atributos da Brígida pagã, tais como poderes de cura, habilidades de aprendizado e poética, foram logo percebidos na santa que estabeleceu um convento em Kildare. O nome Kildare significa “igreja do carvalho” e havia, provavelmente, um santuário pagão naquele local com um fogo sagrado, o qual queimou ainda por séculos, adentrando a era cristã. Na época da morte de Brígida, por volta do ano 525, Kildare havia se tornado um importante centro de aprendizado.

A santa viajou de carruagem por toda a Irlanda, levando adiante o trabalho de conversão de Patrício, mas não há evidência de que eles tenham se encontrado. Muitos milagres são atribuídos a Brígida, como a cura de leprosos e dar a fala para mudos. Há relatos que afirmam que ela transformava água em cerveja, ou pedra em sal, e muitos outros que dizem respeito à sua relação com os animais. Ela também negociou a libertação de prisioneiros. Talvez sua história mais conhecida seja a de sua visita a um chefe pagão moribundo. Enquanto ela rezava, trançava juncos em forma de cruz. O chefe ouviu seu relato acerca da cruz como um símbolo cristão, e converteu-se e foi batizado antes de falecer. Ainda hoje é costume no dia 1o de fevereiro trançar cruzes de Santa Brígida, na esperança de que protejam a família no ano que vem pela frente.

Brígida tem sido chamada de a “Maria dos Gaélicos” e uma saudação comum na linguagem irlandesa expressa o desejo de que “Brígida e Maria estejam com você”. No entanto, sua influência não se restringe à Irlanda, pois ela tem sido reverenciada através dos séculos em inúmeros países. Diz uma lenda que os Cavalheiros da Cavalaria escolheram Santa Brígida como sua patrona e que foram eles que pela primeira decidiram chamar suas esposas de “noivas” (que em inglês se escreve “brides”).

 

Ita de Killeedy

Como São Declan, Ita pertencia a uma família real do reino de Decies. Nasceu por volta do ano 480, no Condado de Waterford, e foi batizada como Deirdre. O nome Ita, que ela passou a usar mais tarde, significava sua “sede de Amor Divino”. Quando seu pai cristão procurou arranjar seu casamento com um jovem nobre, ela jejuou em protesto. Suas preces foram atendidas quando um anjo apareceu a seu pai, o convencendo de que devia permitir que ela seguisse sua vocação sagrada.

Ita estabeleceu uma comunidade de monjas em Killeedy, Condado de Limerick. São Brendan foi seu aluno. No final da vida, ele perguntou-lhe quais eram as três coisas que mais agradavam a Deus. Ela respondeu serem a verdadeira fé, a simplicidade e a generosidade. As mais odiosas eram a grosseria, o gosto pelo mal e a ganância.

Sua vida era austera, e ela jejuava rigorosamente. Um homem rico certa vez encostou ouro nela, e ela imediatamente foi lavar as mãos. Dizem ter sido Ita a autora de uma cantiga de ninar irlandesa, que ela cantou quando o menino Jesus apareceu para ela. Ela faleceu por volta do ano 570, provavelmente de câncer; diz a lenda que um besouro devorou seu flanco e cresceu até ficar do tamanho de um porco.

 

Finnian de Clonard

Finnian geralmente é considerado o pai do monasticismo irlandês. Nasceu no Condado de Meath, no final do século quinto e é dito que todos os pássaros da Irlanda reuniram-se como um presságio da vida santa que ele iria levar. Ainda como um jovem fundou três igrejas na Irlanda, antes de se sentir atraído pela vida monástica no País de Gales. Estudou com São Cadoc, em Llancarfan, Glamorganshire, e foi muito influenciado pelo aluno de Cadoc, Gildas, que criticava a mundanidade e a riqueza dos bispos ingleses.

Finnian convenceu-se de que a vida ascética era a melhor forma de consagrar-se a Deus. Era uma crença que se adequava bem à Irlanda, com sua população dispersa em pequenos reinados rurais. O primeiro monastério de Finnian foi em Aghowle, Condado de Wicklow, mas ele estabeleceu-se, por volta do ano 520, em Clonard, Condado de Meath, às margens do rio Boyne. Clonard tornou-se a escola monástica mais famosa do século sexto, sua importância derivava do número de discípulos que dali saíram para fundar novos monastérios. Os mais proeminentes alunos de Finnian têm sido chamados de os doze apóstolos da Irlanda. O santo faleceu de peste, por volta do ano 549, mas o monastério em Clonard sobreviveu até o século dezesseis.

 

Brioc de Saint Brieuc

Pouco se sabe com certeza da vida de Brioc, embora o santo seja reverenciado no País de Gales, na Cornualha e na Bretanha. Ele nasceu em Cardiganshire, no século quinto. Segundo a obra Vida, uma biografia fantasiosa escrita séculos mais tarde, um anjo disse a seus pais pagãos, Cerpus e Eldruda, para enviarem seu filho para ser instruído por São Germano, em Paris. Em certa ocasião, castigado por ter dado um jarro aos leprosos, ele orou e foi recompensado pelo miraculoso surgimento de um belo substituto de bronze. Devido às histórias sobre sua grande caridade, Brioc tornou-se o santo padroeiro dos fabricantes de bolsas.

Ele se estabeleceu no País de Gales, mas, depois de muitos anos, diz-se que um anjo lhe pediu que velejasse até a França. Seu barco, então, teria se chocado com um monstro marinho, o qual desapareceu em resposta às preces de Brioc. O santo desembarcou primeiro na Cornualha, onde um chefe local chamado Conan foi convertido quando viu como Brioc amansou uma matilha de lobos que ameaçava o idoso santo em sua carruagem. Chegando à Bretanha, Brioc fundou um monastério em Tréguier, mas foi chamado de volta ao País de Gales para combater uma praga com suas orações. Retornando à Bretanha, fundou uma abadia no local da atual catedral da cidade de Saint Brieuc, onde ele faleceu.

 

Brendan, o Navegador

De todos os santos irlandeses, Brendan foi o maior viajante. Nasceu nos arredores de Tralee, Condado de Kerry. Foi um evento reputadamente marcado pela presença de anjos que pairavam sobre a casa, envoltos numa brilhante luz. Foi batizado pelo bispo Erc, que um ano mais tarde fez com que o enviassem para ser cuidado por Santa Ita, em Killeedy. Aos seis anos Brendam retornou a Erc, que se incumbiu de sua educação por vários anos, antes de consentir com o desejo do menino de viajar e estudar sob a orientação de outros santos homens. Erc pediu apenas para oficiar a ordenação de seu aluno como sacerdote, e Brendan, devidamente, voltou para essa cerimônia. Entre os santos irlandeses que Brendan visitou estavam Finnian, de Clonard, Enda, de Aran, e Jarlath, de Tuam.

Desde precoce idade Brendan atraiu discípulos, e fundou vários monastérios na Irlanda. O mais famoso foi Clonfert, Condado de Galway, fundado por volta do ano 560, já no final da vida do santo. Clonfert tornou-se uma das maiores escolas monásticas da Irlanda e perdurou até o século dezesseis. Hoje, a Catedral de Saint Brendan, em Clonfert, é famosa pelo magnífico vão da sua porta em estilo romanesco. Brendan também fundou um convento em Annaghdown, Condado de Galway, dirigido por sua irmã Brig. Muitos pontos geográficos a oeste da Irlanda receberam o nome do santo, a exemplo do Monte Brandon, no Condado de Kerry.

Brendan é associado a vários locais monásticos próximos ao rio Shannon e em torno da costa oeste da Irlanda. Além disso, ele viajou para a Escócia, fundando um monastério em Arran e visitando outras ilhas. Diz-se que encontrou São Columba na ilha de Hynba, na Escócia, e também que foi para a Bretanha com São Malo, um monge galês. Também pode ter estado em Llancarfan, o monastério galês fundado por São Cadoc.

A reputação de viajante de Brendan, contudo, baseia-se em Navigatio Sancti Brendani, um relato escrito por um monge irlandês no século nono ou décimo. Mais de 100 manuscritos medievais em latim sobre esta Voyage of Saint Brendan ainda existem, e há muitas versões em inglês médio, francês, alemão, italiano, flamengo e outras línguas. A história foi muito enfeitada desde sua base original factual, e é impossível separar o fato da fantasia. Entretanto, uma viagem épica moderna realizada por Tim Severin, na década de 1970, mostrou que seria possível velejar em um coracle [N.T.: Barquinho de madeira e couro dos antigos bretões.] de madeira e couro até a América e, consequentemente, que os monges irlandeses podem, de fato, ter precedido por vários séculos a chegada de Cristóvão Colombo à América.

No pico do Monte Brandon, de 975 m de altura, existem ruínas de uma pequena capela em forma de colméia que domina a vista que alcança mais de 160 quilômetros de distância. Ali, conta-se, o santo teve uma visão da Terra Prometida. (Há, incidentalmente, muitos relatos registrados da visão de uma ilha, um milagre identificado em geral com a lendária Hy-Brasil, uma das ilhas de Açores na direção da costa oeste da Irlanda). A primeira tentativa de Brendan de velejar até a Terra Prometida aparentemente não foi bem sucedida, mas ele não desistiu. Ele e sua tripulação de monges oraram e jejuaram por quarenta dias, e partiram em uma segunda viagem que durou sete anos e, provavelmente, os levou até a Islândia, a Groenlândia e até mesmo ao continente americano.

Navigatio Sancti Brendani descreve encontros com São Patrício e Judas Iscariotis, esse último agarrado em uma pedra em uma temporária liberação do Inferno. O santo celebra a Páscoa nas costas de uma baleia e escapa de um gato-marinho predador do tamanho de um cavalo. Trata-se de uma obra na tradição da Odisséia, de Homero, que se vale da mitologia celta, bem como de fontes clássicas e das Escrituras. Muitos cartógrafos medievais incluem a ilha de Brendan em seus mapas. No final de sua vida Brendan retornou a seu trabalho na Irlanda e lá faleceu, no ano de 578, em Annaghdown.

 

Gildas, o Sábio

Gildas nasceu por volta do ano 500, no vale de Clyde, mas saiu ainda criança da Escócia, tendo estudado com São Illtyd e São Cadoc no sul do País de Gales. De acordo com uma lenda, Illtyd habitava em uma ilha estreita e inóspita, mas por meio das preces de Gildas, e de outros discípulos, o mar retraiu-se e a ilha aumentada desabrochou em flores. Gildas é mais conhecido por De excidio et conquestu Britanniae (Sobre a Destruição e Conquista da Bretanha), uma vigorosa crítica das vidas decadentes dos reis e do clero britânicos, a quem ele culpava pelo sucesso dos invasores anglo-saxônicos.

Gildas também pregou ao norte da Bretanha, e parece ter sido uma figura influente na Igreja Irlandesa, ensinando durante certo tempo em Armagh. Mais tarde ele zarpou para a Bretanha, onde viveu como eremita na ilha de Houat, antes de ser persuadido por pescadores locais a fundar um monastério, em Rhuys. Faleceu na Bretanha, por volta do ano 570. A Gildas é atribuída uma Lorica (N.T: Hino ou oração cantada, como aquela atribuída a São Patrício.), possivelmente composta quando a peste ameaçou a Bretanha, a qual menciona cada parte do corpo em seu pedido por proteção. Diz-se que, se repetida frequentemente, adiciona sete anos à vida da pessoa, e que não se morre em um dia em que seja repetida.

 

Ciarán de Clonmacnoise

Filho de um carpinteiro, Ciarán nasceu por volta do ano 512, no Condado de Roscommon, e estudou com São Finnian, em Clonard. A exemplo de vários outros santos, Ciarán tinha uma grande afinidade com os animais: diz-se que uma raposa era sua companhia na infância e que durante o tempo que passou em Clonard descansava seu livro nos chifres de um cervo domesticado. Ciarán também visitou os monastérios de Saint Enda, nas ilhas Aran, e Saint Senan, na ilha Scattery, Condado de Clare. O primeiro monastério fundado por ele foi na ilha de Hare, em Lough Ree, mas foi bem mais abaixo no curso do rio Shannon, que ele começou o monastério de Clonmacnoise, por volta do ano 545.

Nas ilhas Aran, Ciarán sonhou com uma grande árvore frutífera avistando um rio: Clonmacnoise foi a realização desse sonho, pois se tornou uma das grandes escolas da Europa. Na Irlanda, ficava atrás apenas de Armagh sendo que, como centro de literatura e arte, era inigualável, como evidenciam os manuscritos e artefatos que sobreviveram, incluindo as altas cruzes e lousas de túmulos que ainda dignificam o lugar. Era fora do comum também no sentido de que seus abades eram com frequência de origem humilde, como o seu fundador. Ciarán, infelizmente, não viveu para ver o pleno florescimento de Clonmacnoise, pois faleceu sete meses após o trabalho ter iniciado.

 

David do País de Gales

Desde o século doze David é considerado o santo padroeiro do País de Gales. Embora todos os outros santos celtas deste livro tenham gozado de diferentes graus de veneração e fama durante as suas vidas, e também posteriormente, David distingue-se por ter sido formalmente canonizado pelo Papa Calisto II, em 1120. Duas peregrinações até seu relicário eram consideradas o equivalente a uma peregrinação a Roma e diz-se que os reis Guilherme I, Henrique II e Eduardo I empreenderam a jornada até Pembrokeshire.

Poucos detalhes da vida de David podem ser afirmados com segurança. Ele nasceu provavelmente no início do século seis e era filho de um chefe de clã galês chamado Sant. Sua mãe era Santa Non, uma freira galesa que parece ter trabalhado na Cornualha e na Bretanha, provavelmente após a morte do marido Sant. David estudou com São Illtyd, foi ordenado e então passou dez anos com Paulino, um santo galês que também havia sido aluno de Illtyd e contemporâneo de São Gildas. Diz-se que Paulino ficou cego, e que David tocou seus olhos devolvendo-lhe a visão. Mais tarde, seguindo orientação de um anjo, David fundou um monastério em Mynyw (agora Saint David), no sul do País de Gales. Sua comunidade foi célebre pela austeridade. Os monges cultivavam a terra sem a ajuda de bois. Falavam uns com os outros apenas quando necessário, e deviam rezar constantemente, mesmo enquanto trabalhavam. Não comiam carne ou seus derivados, limitando-se ao pão e aos vegetais. Bebiam apenas água, o que é, provavelmente, o motivo de seu abade tornar-se conhecido como David, o Homem da Água, muito embora ele também fosse dado a mergulhar na água fria. Outra lenda conta que David fez respingar água em seu próprio batismo, curando assim a cegueira de um bispo. David foi consagrado bispo, e uma lenda sugere que isto ocorreu durante uma peregrinação a Jerusalém. Entretanto, é improvável que ele tenha deixado Mynyw por muito tempo, pois preferia a vida contemplativa. A ele é creditada a fundação de dez monastérios, entre os quais Glastonbury.

Uma biografia, Vida de David, escrita no século onze conta que ele era tão humilde que três vezes recusou-se a ir ao Sínodo de Brefi. O sínodo pode ter sido convocado para opor-se a um recomeço da assim chamada “heresia pelagiana”, nome esse relacionado ao monge do século quinto, Pelágio, que rejeitou a idéia do pecado original e a consequente necessidade da redenção. Finalmente, Paulino sugeriu enviar dois santos, Deiniol e Dyfrig, para convencerem David a ir. Diz-se que quando David falou no sínodo uma pomba branca como neve desceu do Céu e pousou em seu ombro, enquanto que o chão onde ele estava pisando, miraculosamente, elevou-se até tornar-se uma elevação, de modo que ele pudesse ser melhor visto e ouvido.

A eloquência de David era tal que ele foi pressionado a tornar-se primaz da Igreja do País de Gales, uma função que ele apenas aceitou sob a condição de que a sede primacial fosse transferida para Mynyw. Isso pode ter sido um ato de prudência, pois a sede tradicional em Caerleon, às margens do rio Usk, ficava muito mais distante para o leste, e exposta ao risco de incursões pagãs a partir da Inglaterra.

Há muitas lendas sobre David. Uma conta que um anjo apareceu a seu pai, predizendo o nascimento do santo e instruindo Sant a preparar presentes: um cervo, um peixe e uma colméia. A colméia simbolizava sua doce sabedoria, o peixe sua vida simples, a pão e água, e o cervo seu poder de reprimir “serpentes”, como a heresia pelagiana. Até mesmo é dito que São Patrício pensou em estabelecer-se nas proximidades de Mynyw, até que uma voz lhe disse que o vale estava reservado para uma criança ainda não nascida. Quando David faleceu em Mynyw, por volta do ano 589, conta-se que São Kentigern estava em Llanelwy e viu sua alma sendo levada por anjos ao Céu.

 

Comgall de Bangor

Comgall nasceu por volta do ano 516, no reino irlandês de Dalriada, e estudou com São Fintan de Clonenagh, Condado de Laois. Neste local, diz-se que devolveu a visão a um cego esfregando saliva em seus olhos. No final de sua vida, conta-se que deu uma batidinha no bolso de um pedinte, onde um anel de ouro imediatamente apareceu.

Comgall voltou para a província de Ulster, ao norte, vivendo primeiro em uma ilha, em Lough Erne, Condado de Fermanagh, onde o regime era tão austero que sete companheiros morreram de frio e de fome. Ele então se transferiu para Bangor, Condado de Down, onde fundou um monastério que atraiu milhares de monges. Entre eles estavam São Columbano, São Gall e São Moluag.

Curiosamente, apesar do fato de Comgall se permitir apenas uma refeição ao dia, muitos de seus milagres diziam respeito à comida. Em um exemplo, ladrões ficaram cegos depois de roubarem verduras do monastério, e quando um agricultor pouco generoso recusou-se a dar cereais para os monges, estes foram devorados por ratos.

O santo faleceu por volta do ano 501, devido a uma doença que alguns dizem ter sido uma punição pela severidade da disciplina em Bangor.

 

Columba de Iona

Há vários relatos da vida de Columba, todos dando testemunho dos sinais milagrosos que precederam seu nascimento em Gartan, Condado de Donegal, em 521. Um anjo garantiu a sua mãe que ela teria um filho de grande beleza, que seria lembrado entre os profetas do Senhor. São Buite, o abade moribundo de Monasterboice, Condado de Louth, previu segundo se conta o nascimento de “uma criança ilustre diante de Deus e dos homens”. Columba tinha sangue real. Seu pai pertencia ao clã Uí Néill e descendia do famoso Niall dos Nove Reféns, e sua mãe, Eithne, descendia de um rei de Leinster.

Era o costume que as crianças de famílias governantes fossem criadas afetuosamente, mas inusitadamente Columba foi colocado aos cuidados de um sacerdote. A prática diária de leituras dos salmos do menino fez com que seus jovens colegas o chamassem de Columcille (Colum = pomba, da Igreja) – nome pelo qual ele é mais conhecido na Irlanda. Ele foi estudar com São Finnian de Moville, Condado de Down, onde se diz que suas preces transformaram água da fonte em vinho para comunhão. Mais tarde, ele se tornou aluno de São Finnian de Clonard e estava destinado a tornar-se o mais famoso dos “doze apóstolos da Irlanda”. Columba também passou algum tempo com um bardo de Leinster, chamado Gemnan, em cuja companhia testemunhou o assassinato de uma jovem e fez um juramento que quando a alma da garota fosse para o céu, a do assassino iria para o inferno. Quando o assassino morreu imediatamente, a reputação de Columba espalhou-se rapidamente.

Columba estabeleceu seu primeiro monastério em Derry, em 548. Outros se seguiram, notadamente Durrow, no Condado de Offaly, que ficou famoso pelo talento artístico de seus manuscritos com iluminuras célticas. Em 563, Columba zarpou com doze seguidores para fundar um monastério na ilha escocesa de Iona, que pertencia ao reino de Dalriada, regido por seu primo Conaill.

Conta a lenda que o exílio de Columba foi um ato de penitência e que ele deliberadamente escolheu uma ilha longínqua de onde não pudesse avistar a sua amada Irlanda. Durante uma visita a Moville, diz-se que Columba secretamente copiou um livro de salmos. Quando Finnian descobriu isso, ele insistiu em ter aquela cópia. Columba recusou-se a devolver-lhe, e a disputa foi levada ao grande rei Diarmuid, que sentenciou: “A cada vaca seu bezerro, e a cada livro sua cópia”. Columba já tinha ressentimento contra Diarmuid pelo fato dele ter assassinado um jovem a quem o santo havia dado abrigo e Columba persuadiu seus parentes a declarar-lhe guerra. Diarmuid foi derrotado em Cuildreimhne, Condado de Sligo, e Columba foi acusado pelas centenas de mortes. Quando um sínodo lhe exigiu como reparação pelas mortes a conversão de um número igual de pagãos, ele optou por trabalhar entre os pictos da Escócia.

A extensão do trabalho missionário de Columba provavelmente foi exagerada por seus primeiros biógrafos, mas não há dúvida quanto à profunda influência de Iona sobre a Igreja Céltica como um todo, e sobre a expansão do Cristianismo na Escócia e no norte da Inglaterra. Columba também foi uma figura política influente. Sua rápida conversão de Brude, rei dos pictos, reduziu a ameaça de ataques ao reino cristão de Dalriada. Em 575, retornando a Ulster para uma convenção realizada em Drum Ceatt, ele negociou a independência do reino da Escócia do reino irlandês de Dalriada. Na mesma convenção ele convenceu o rei Aedh a preservar os bardos da Irlanda, cujas sátiras os tinham tornado impopulares.

Columba faleceu em Iona, em 597. Crônicas de sua vida apareceram no século seguinte, mais notavelmente a de São Adomnán, que lhe atribui muitas profecias, visões e milagres, não sendo o menor deles o de ter repelido o monstro do lago Loch Ness com o sinal da cruz.

 

Kentigern de Glasgow

Segundo a lenda, Kentingern era o filho ilegítimo de uma princesa escocesa. Quando a gravidez da princesa foi descoberta, ela foi desterrada e lançada ao mar em um frágil coracle. [N.T.: Barquinho de madeira e couro dos antigos bretões.] Ela alcançou a praia de Culross, no estuário de Forth, onde seu filho nasceu. Ele foi batizado e educado em Culross, por São Servanus, que lhe deu o nome afetuoso de Mungo (amado amigo), pelo qual ele é comumente conhecido. Quando alunos ciumentos tentaram acusar o menino pela morte de um pássaro (um tordo) que haviam matado – Kentigern colocou sua cabeça decepada de volta no lugar e fez o sinal da cruz, depois do que o pássaro voltou a voar.

Kertigern fundou um monastério em Glasgow, onde foi consagrado bispo. Pregou pela Cumbria, e diz-se que fundou um monastério em Llanelwy, no País de Gales. Quando São Columba o visitou em Glasgow, trocaram versos pastorais como prova de amizade. Kenrtigern faleceu por volta de 612.

A compaixão de Kertigern é lembrada na lenda da rainha que deu a seu amante um anel que ela havia recebido do marido. O rei tomou o anel do amante adormecido e jogou-o no rio Clyde. Ele então exigiu que a esposa lhe mostrasse o presente. A rainha preocupada apelou a Kentigern, cujas preces foram atendidas quando o anel foi encontrado na barriga de um salmão.

 

Columbano de Luxeuil

Dos muitos missionários célticos que escolheram “o exílio por Cristo” no continente europeu, Columbano foi de longe o mais influente. Nascido em Leinster, aproximadamente em 589, saiu de casa para estudar com um monge chamado Sinell, na ilha Cleenish, em Lough Erne. Ele então passou muitos anos em Bangor antes de receber a permissão de São Comgall para zarpar para a Europa, por volta do ano 589, com doze companheiros. Desembarcaram perto de Saint Malo, na Bretanha. Os monges rapidamente granjearam reputação por sua pregação e por sua piedade em uma região que, embora nominalmente cristã, havia sofrido dolorosamente as consequências das guerras e do descaso dos bispos. Columbano foi logo convocado à corte de Guthram, o rei franco da Borgonha, que o incentivou a estabelecer um monastério nas montanhas Vosges.

Após alguma exploração, Columbano escolheu construir sobre as ruínas de um forte romano em Annegray. Diz-se que tinha como seu abrigo a toca de um urso. Impondo uma severa disciplina, como em Bangor, atraiu tantos seguidores que logo teve de construir novos monastérios na vizinha Luxeuil, que se tornou o principal centro, e também em Fontaine. Columbano redigiu uma série de regras para organizar a vida monástica, Regula Monachorum, onde se exigia estrita obediência ao abade e uma vida de pobreza e mortificação por meio de constante jejum. Grande ênfase era dada à confissão dos pecados seguida de penitências, sendo infrações na disciplina punidas com chibatadas com uma cinta de couro. Durante o século seguinte mais de 100 monastérios foram estabelecidos sob essa Regra, mas mais tarde mudaram para a Regra menos rigorosa de São Bento.

Inevitavelmente, Columbano sofreu a hostilidade dos bispos francos, que desaprovavam algumas das práticas irlandesas. As Igrejas Romana e Céltica eram notavelmente divididas quanto ao método de cálculo da data da Páscoa, e ao aderir à prática céltica Columbano permitiu que lhe acusassem de falta de ortodoxia. Em 600, ele defendeu-se em uma carta ao Papa Gregório e, em 603, recusou-se a participar de um sínodo em Chalon-sur-Saone, escrevendo em vez disso aos bispos reunidos que ele desejava “permanecer em silêncio nestas matas e viver ao lado dos restos mortais dos nossos dezessete irmãos mortos”.

Naquela época, Teodorico II ocupava o trono da Borgonha e Columbano incorreu em seu desagrado ao recusar-se a abençoar seus quatro filhos ilegítimos, pressionando-o a casar-se. A avó de Teodorico, a Rainha Brunilda, temendo perder sua influência para uma nova rainha, tornou-se uma inimiga implacável. Em 610, Teodorico ordenou a deportação de Columbano e de todos os outros monges irlandeses. Foram levados sob escolta armada até o porto de Nantes, que fica a uns 1.000 quilômetros dali, para embarcarem de volta para a Irlanda. Entretanto, o navio imediatamente encalhou, e o capitão tomou isso como um sinal de que os monges deviam ser desembarcados.

Após novas viagens, Columbano alcançou Metz, onde o rei Teodoberto II ofereceu-lhe sua proteção e incentivou o santo a trabalhar entre as tribos pagãs em torno dos lagos suíços. Ele estabeleceu-se brevemente em Bregenz, nas proximidades do Lago Constança, mas foi forçado a deixar o lugar quando Teodoberto foi derrotado em batalha por seu irmão Teodorico. Isso precipitou um desentendimento com São Gall (Galo), o único sobrevivente dos doze monges que saíram de Bangor, que desobedeceu Columbano ao permanecer na Suíça.

Cruzando os Alpes em direção à Lombardia, por volta do ano 613, Columbano foi recebido em Milão pelo rei Agiluff, que lhe ofereceu terras em Bobbio, nos contrafortes dos Apeninos. Apesar da sua idade (N.T.: Tinha 70 anos.), Columbano participou ativamente na construção de um novo monastério, que ficou famoso por sua biblioteca. Seu último ato, no leito de morte, em 615, foi enviar seu cajado de abade para São Gall (Galo), como uma prova de perdão.

 

Dympna de Gheel

A história de Dympna é tão envolta em uma aura de lenda, transmitida por tradição oral, que é impossível separar fato e ficção. Esta santa do século sete supostamente foi filha de um chefe de clã céltico pagão, provavelmente irlandês, e de uma mãe cristã. Após a morte de sua esposa, o pesaroso chefe desenvolveu uma paixão carnal pela filha, pois essa se parecia com a mãe, e tentou casar-se com ela. Horrorizada, Dympna fugiu com seu capelão, São Gerebernus.

Estabeleceram-se em Gheel, nas proximidades da cidade belga de Antuérpia, onde Dympna devotou-se a auxiliar os pobres e os doentes. Foram descobertos por seu pai, que os seguiu por meio das moedas que gastaram na sua viagem. Tendo Dympna continuado a rejeitar o casamento antinatural, seu pai assassinou Gerebernus e cortou a cabeça da filha.

Segundo a lenda, muitos milagres ocorreram quando o sangue dos mártires foi derramado. O povo do local também descobriu dois túmulos de mármore que acreditaram terem sido trazidos por anjos em homenagem aos santos. Muitos casos de cura de loucura e epilepsia foram atribuídos à intervenção de Dympna e, no século treze, o bispo de Cambrai ordenou que se escrevesse uma obra chamada Vida de Dympna com base na tradição oral. Hoje ela é, na Bélgica, a santa padroeira dos insanos e, há séculos, Gheel é famosa pelos cuidados e tratamento dispensados aos doentes mentais.

 

Fursey de Péronne

Filho de um príncipe irlandês, Fursey tornou-se abade de um monastério em Tuam, Condado de Galway. Mas foi como um missionário na Inglaterra e na França que ganhou fama na Europa, superada apenas por Columbano. Foi bem recebido na Ânglia Oriental, por volta do ano 630, pelo rei Sigeberto, que lhe doou terras para um monastério na localidade de Burgh Castle, em Suffolk. Ao ficar doente, Fursey caiu em um transe e, segundo São Bede, o historiador, saiu de seu corpo desde o entardecer até o galo cantar e foi considerado digno de contemplar um coro de anjos no céu. Considera-se que as visões de Fursey do céu e do inferno, experienciadas durante a sua vida e amplamente narradas, inspiraram a Divina Comédia de Dante.

Alguns anos mais tarde, na Ânglia Oriental, Fursey partiu em uma peregrinação para Roma. Foi bem recebido por Clóvis, rei dos francos, cujo prefeito de seu palácio, Erconwald, convenceu o santo a construir um monastério em Lagny, nas cercanias de Paris. Fursey faleceu por volta do ano 648, em Mazerolles, onde havia certa vez milagrosamente trazido de volta à vida o filho de um nobre. Seu corpo foi levado por Erconwald para Péronne, em Picardy, onde esperou para ser enterrado enquanto uma nova igreja era construída. Quatro anos mais tarde, quando o corpo foi enterrado próximo ao altar, descobriu-se que estava completamente livre de decomposição.

 

Aidan de Lindisfarne

Durante o século sete a Nortúmbria, que compreendia os reinos de Bernícia e Deira, era um campo de batalha no qual o destino de reis rivais determinou se a Igreja Céltica ou a Romana deveria ser a influência missionária predominante. Em 616, quando o rei Ethelfrith da Nortúmbria foi derrotado em uma batalha e assassinado, seu filho Oswald refugiou-se na Escócia e foi convertido ao cristianismo em Iona. Edwin, o novo rei, também se tornou cristão, mas sob a influência de São Paulino, bispo de York, leal a Roma. Após a morte de Edwin, em 663, Paulino abandonou seu trabalho no norte da Inglaterra. Oswald retornou do exílio e finalmente tornou-se rei, quando mandou buscar em Iona um bispo que pregaria os evangelhos na Nortúmbria.

O primeiro bispo céltico, Corman, logo retornou à Iona, onde declarou que os anglos da Nortúmbria eram muito teimosos e intratáveis. O historiador Bede escreve que, em uma reunião para discutir o problema, um monge irlandês chamado Aidan sugeriu que Corman havia sido irrazoavelmente rigoroso com seus ouvintes iletrados, “não tendo oferecido a eles, primeiro, como o Apóstolo nos ensinou, o leite de uma doutrina menos sólida”. Decidiu-se imediatamente enviar Aidan para a Nortúmbria como bispo.

Pouco se sabe sobre a vida pregressa do santo, salvo que deve ter estudado com São Senan, na ilha de Scattery, Condado de Clare. Ele chegou na Nortúmbria por volta de 635 e, com o consentimento de Oswald, estabeleceu sua sede na ilha de Lindisfarne, situada ao longo da costa, próxima ao castelo de Oswald, em Bamburgo. Foi uma parceria frutífera, tendo Oswald, em certas ocasiões, que interpretar as palavras de Aidan, que não tinha fluência na língua inglesa.

Após a morte de Oswald em uma batalha, em 642, Aidan trabalhou igualmente bem com Oswin, rei de Deira. Aidan pregou amplamente por toda a Nortúmbria, viajando a pé, de modo que pudesse prontamente conversar com todos que encontrava. Quando Oswin lhe deu um cavalo para usar em terrenos difíceis, Aidan quixotescamente o deu a um mendigo que pedia esmolas. Oswin ficou zangado até que, segundo conta Bede, Aidam perguntou-lhe se o filho de uma égua era mais precioso para o rei do que um filho de Deus. Oswin pediu perdão a Aidan e prometeu nunca mais questionar ou lamentar que qualquer de suas riquezas fosse dada para os filhos de Deus. Tanto Oswald quanto Oswin são venerados na Inglaterra como santos e mártires.

Grande número de monges escoceses e irlandeses auxiliaram Aidan em seu trabalho missionário, construindo igrejas e difundindo a influência do cristianismo céltico em tal grau que Lindisfarne tornou-se a capital virtual da Inglaterra cristã. O santo também recrutou jovens anglo-saxãos para serem educados em Lindisfarne. Entre eles se encontrava São Eata, abade de Melrose e posteriormente de Lindisfarne. Com o tempo, o aluno de Eata, São Cuthbert, também se tornou bispo de Lindisfarne.

Aidan levava uma vida frugal e incentivava os leigos a jejuar e a estudar as Escrituras. Ele próprio jejuava nas quartas e sextas-feiras e raramente comia na mesa real. Quando uma festa era dada em sua homenagem ele distribuía a comida entre os famintos. Os presentes que recebia eram dados aos pobres, ou usados para comprar a liberdade de escravos, alguns dos quais entraram para o sacerdócio. Durante a Quaresma, Aidan retirava-se para a pequena ilha de Farne, para rezar e fazer penitência. Enquanto estava lá, em 651, viu fumaça subindo de Bamburgo, que estava sendo atacada pelo rei pagão Penda, de Mércia. Ele rezou para o vento mudar, e muitos dos sitiantes foram destruídos pelo fogo.

Quando Oswin foi assassinado em 651, por seu primo traidor Oswy, rei da Bernícia, Aidan foi atingido pelo pesar. O santo sobreviveu a Oswin apenas doze dias, morrendo em um abrigo que construiu ao lado de sua igreja em Bamburgo.

 

Fiacre de Meaux

Fiacre, um dos santos mais venerados da França medieval, nasceu na Irlanda, onde provavelmente foi batizado como Fiachra. Ele e uns poucos seguidores chegaram, por volta de 626, na diocese francesa de Meaux, onde ele construiu um eremitério e onde permaneceu até sua morte, em 670, aproximadamente. Diz-se que o bispo, São Faro, prometeu a Fiacre tanta terra quanto ele pudesse cavar em um dia. Uma mulher do lugar queixou-se de que ele estava cavando muito depressa e, dali por diante, Fiacre excluiu todas as mulheres de sua capela sob a pena de ficarem cegas ou loucas.

Ele rapidamente adquiriu a reputação de santidade e de poderes de cura milagrosos. Com tanta frequência ele curava certa enfermidade, uma espécie de ulceração, que esta se tornou conhecida como doença de São Fiacre. Foi ele, provavelmente, o primeiro abade a construir um asilo, ao lado do monastério, para peregrinos irlandeses, quase sempre tão destituídos de dinheiro quanto numerosos. Uma pedra curva onde ele certa vez sentou-se atraia peregrinos em busca de alívio das hemorroidas.

Fiacre era perito no cultivo de plantas, muitas com propriedades medicinais, e é o santo padroeiro dos jardineiros na França. Ele também deu seu nome ao fiacre, antigo carro de praça de quatro rodas, puxado a cavalo, que apareceu pela primeira vez na Paris do século dezessete, em frente ao Hotel de Saint-Fiacre.

 

Gall (Galo) de Saint Gall

Como Columbano, Gall nasceu em Leinster e experimentou o rigoroso regime monástico em Bangor. Unindo-se a Columbano em sua viagem para a França, ele o serviu fielmente até se separarem rancorosamente em Bregenz, na Suíça, em 612. Quando Gall insistiu em que uma febre o deixava impossibilitado de empreender a difícil jornada até a Itália, o autoritário Columbano impôs-lhe uma penitência de nunca celebrar missas durante a vida do santo mais velho. Gall observou isto até 615, quando teve uma visão da morte de Columbano e rezou uma missa para o repouso de sua alma. Ele enviou seu atônito diácono Magnoald à Bobbio, de onde ele retornou com o cajado que o falecido Columbano havia pedido para entregar para Gall.

Tratado em Arbon por um bondoso sacerdote chamado Willemar, Gall recobrou sua saúde e construiu um eremitério às margens do Rio Steinach. Ali, diz-se, ordenou que um urso fosse até a mata colher lenha para o fogo. O principal crédito por difundir o cristianismo entre as tribos Alemanni (tribos germânicas do sul, N.T.) pertence a Gall e seus seguidores, e a partir de um modesto início surgiu a grande abadia medieval de Saint Gall. Ele recusou os convites de tornar-se bispo de Constança e abade de Luxeuil, preferindo dar continuidade à missão que começou depois de separar-se de Columbano. Gall faleceu em Arbon, aproximadamente no ano de 640.

 

Colman de Lindisfarne

Colman tornou-se o terceiro abade-bispo de Lindisfarne em 661, sucedendo aos Santos Aidan e Finan. Como eles, veio da Irlanda para tornar-se monge em Iona. Ele favoreceu totalmente os costumes célticos em matérias como a contagem da data da Páscoa e a tonsura dos monges. Contou com o apoio de Oswy, rei da Nortúmbria, mas a rainha Enfleda, esposa de Oswy, veio de Essex e favoreceu as práticas da Igreja Romana. Em 664 Oswy convocou o sínodo de Whitby para decidir essas matérias. Colman foi derrotado em debate por Santo Vilfredo de Ripon, e renunciou.

Retornou a Iona, acompanhado de seus monges irlandeses e por trinta monges ingleses, mas então decidiu estabelecer-se na Irlanda. Divisões logo surgiram no novo monastério de Inishbofin, uma ilha ao longo da costa do Condado de Galway. Os monges ingleses queixavam-se de que os irlandeses visitavam o continente no verão, deixando-os sós para fazer a colheita. Colman resolveu o problema ao estabelecer uma nova instituição para os monges ingleses no continente. Ele faleceu em Inishbofin, em 676.

As práticas romanas já tinham se tornado amplamente dominantes no sul da Inglaterra, e a derrota de Colman em Whitby pressagiou o gradual declínio da Igreja Céltica, embora na Irlanda a autoridade de Roma tenha se estabelecido plenamente tão somente no século doze.